#000144 – 09 de Abril de 2020
Os livros lêm-nos a nós. Para Hannu Rajaniemi isto não era uma metáfora, era neuroficção. O leitor a usar um headset da Emotiv, que lhe lê os sinais neurológicos. E o software a adaptar a narrativa aos padrões do sistema nervoso do leitor. Graham Harman avisou que vivemos num mundo pós-real. A pós-ficção não é assim tão surpreendente. A criação destas novas formas ficcionais está a conquistar escritores de sci-fi. Mais ainda que o interesse de Rajaniemi, é de assinalar a colaboração do peso-pesado Neal Stephenson com este mundo que o ciberpunk previa distópico.
Uma história é também um veículo. Uma estrutura, uma forma. A mesma história, em tempos diferentes, contada por pessoas ou culturas diferentes, pode significar coisas opostas. Os investigadores de folclore chamam paradigmas às unidades de sentido narrativo. E continuamos a passar uns aos outros paradigmas com milhares de anos. Um sema de sentido, neste contexto, é o que Richard Dawkins chamou de meme. Um gene cultural, uma ideia. Uma história, de forma simplista e incompleta, pode ser vista como um veículo para memes.
Iremos precisar de formas novas de entender a realidade e de a imaginar. Iain M. Banks, mesmo sendo criador de galáxias pós-escassez assentes na inteligência artificial, ainda nos avisava que a ficção, ao contrário da realidade, tem de fazer sentido. Mas um neurolivro precisa apenas de nos tocar nos botões certos. Proporciona uma experiência, em vez de veicular ideias. Se vamos colocar nas mãos da computação tão vulnerável e precioso sistema nervoso, o nosso, é bom começarmos a decidir o que queremos que essas mãos artificiais nos façam, para quê e para proveito de quem.