#000173 – 08 de Maio de 2020
A imaginação é uma ciência exata. Tem o rigor da liberdade e uma energia clara. Em criança, aprendi matemática como numa aventura de pensar. Os professores diziam-me, estes são os números naturais. É um grupo que acontece se contares até ao infinito. Uma vez, durante uma insónia, a minha mãe disse-me para contar até 100. Achei que não conseguia, 100 era tão grande que mais valia ser infinito. Mas comecei. Quando cheguei a mil e quinhentos, a minha mãe pediu-me que parasse. Os números passaram a ser unidades muito pequenas, e o infinito cresceu incrivelmente.
Disseram-me os professores que os números se representam. Numa linha, com zero ao centro, há números positivos e negativos. E se formos espreitando os espaços, há outros números. Os espaços também são infinitos. Só agora sei dizer, com linguagem adulta aprendida aos matemáticos: há infinitos contáveis e infinitos impossíveis de contar. Os mil e quinhentos que eu contei eram o modesto início de um desses infinitos contáveis. Depois dos naturais, os números começam a ter nomes muito bonitos. Irracionais, reais. Os números revoltam-se contra o que é natural, o que se conta.
Fui aprendendo, com os números, as operações que os alteram. E vários professores me avisaram, como a apontar o perigo: não há raízes de números negativos. Disseram-me é impossível multiplicar um número por ele mesmo e obter um número negativo. Mais tarde houve uma professora que nos contou o segredo de afinal se poder inventar números que não existem. Os números imaginários são esses que representamos pela letra i. Construímos a partir de i, a unidade imaginária, números a duas dimensões. São números que vemos num plano, em vez de uma linha. Foi aqui, julgo, que se abriu em mim espaço para uma imaginação de ficção científica.
Há dois ou três dias, décadas depois da pouca matemática que aprendi, cruzei-me com os números surreais. Foram descobertos por John Conway. Descobertos, não inventados, reforça Conway, platonicamente. O nome surreais, diz Conway, gostaria ele de o ter sugerido. Donald Ervin Knuth foi quem primeiros lhes chamou surreais. Foi ao escrever uma história, com a mulher, chamada precisamente “Surreal Numbers”. Knuth tinha guardado um guardanapo de uma refeição com John Conway, em que este escrevinhou os princípios dos números que tinha descoberto, ainda sem nome. E depois quase teve de replicar a descoberta, enquanto escrevia o livro. Não havia ainda artigo científico. E os seus falhanços diários, em replicar a descoberta de Conway, eram os falhanços das suas personagens.
Encanto-me de novo com a matemática, como em criança. Estes números incluem todos os outros e são um conjunto maior que todos os infinitos conhecidos. São suficientes, diz Conway, para nos referirmos a todos os números conhecidos. Uma outra civilização ou espécie, o exemplo é dele, poderia mesmo começar por descobrir os números surreais e a partir daí os grupos neles incluídos, como os irracionais e os imaginários. A notação usada por Knuth para escrever os números parece um alfabeto alíenigena. É bela e simples. Com a matemática, aprendo que há sempre infinitos por descobrir, mesmo no espaço mais ínfimo. E que dizermos impossível é apenas uma forma de assinalarmos por onde descobrir mais coisas no universo.