#000201 – 05 de Junho de 2020

Os maus livros fazem parte do percurso. Pré-adolescente, li de uma assentada o Battlefield Earth. É uma história épica, longa e banal. Deu um filme péssimo, que dói ver. Foi John Travolta que o financiou, trazendo para a tela o livro de Hubbard. Quando cresci, vim a saber que este escritor de ficção científica tinha criado uma religião com imenso sucesso. Convenceu muitas pessoas de que os humanos têm implantes. Os fiéis acreditam que algures no caminho que a sua religião sugere merecerão que este engenho extraterrestre seja finalmente removido. A realidade, vários o têm afirmado, é muito mais estranha que a ficção.

Foi na mesma coleção de sci-fi que descobri a Ursula K. Le Guin. Durante muitos anos, Feira do Livro foi expressão sinónima de ir direito às Publicações Europa América e comprar várias destas péssimas traduções, em livros de capas maravilhosamente retrofuturistas.

Há três momentos que reconheço, na minha descoberta da ficção científica. A biblioteca da Figueira da Foz, quando era criança. O processo lento e delicioso de procurar um livro nos arquivos físicos. De procurar o autor, por entre os separadores alfabéticos de papel amarelecido. De retirar a ficha do livro e ir até ao balcão preencher uma ficha de requisição. Antes ainda de ter o livro nas mãos e me sentar, já havia um comprometimento com o livro. Depois, ler era ir sentar-me na sala de leitura e ter uma janela horizontal gigante, como as de Serralves e da Biblioteca Almeida Garrett, e, como em Serralves e na Biblioteca Almeida Garrett, o verde tranquilizador das árvores numa presença viva. Li toda a poesia de Herberto Helder assim, espantado e envolvido em silêncio. Um dia, procurei o nome de Isaac Asimov, encontrei um livro e escrevi os seus dados numa ficha. Era O Fim da Eternidade.

Poucos anos depois, um amigo do meu pai quis impressionar-me. Se eu gostava de ler, ia de certeza gostar muito de ler sci-fi. Não se enganou. Era dele o livro do Hubbard. Mas também me emprestou livros de Phillip José Farmer, de Heinlein e de outros autores que não recordo. Estou-lhe imensamente grato.

E o momento a seguir foi chegar a casa, com os dois volumes da edição da Europa América d'Os Despojados, vindo de uma feira do livro. O lettering do nome Ursula K. Le Guin ainda hoje o conseguiria detetar à distância. Quis ler tudo o que pudesse agarrar dela. E agora, que ela não mais escreverá, leio muito devagar o que me resta. A Ursula K. Le Guin mostrou-me que esta é uma forma de reimaginar o mundo. Ficção e Ciência são as melhores criações humanas. São o que nos narra e modifica. O que altera o universo só por existir.