#000236 – 10 de Julho de 2020

O Zizek é a minha boia de salvação ideológica. Zango-me com ele, discordo da sua ética de militância, resisto ao seu pessimismo civilizacional, chego a desconfiar da sua lógica argumentativa. Mas agradeço-lhe a coragem da sua coerência e a acutilância com que revela a ideologia no quotidiano.

Estes tempos políticos são perigosos. Algoritmos alimentam-nos de indignação, 140 caracteres são suficientes para provocar focos de pânico moral ou agregar comportamento de gang. A perseguição e o ataque pessoal são usados como armas, substituindo o ativismo. Quem realmente se empenha em mudança social, vê a sua linguagem apropriada por quem prefere dividir todos e tudo.

Tenho um sonho de segundos, enquanto começo este parágrafo. Que ao acabar o ano, estas palavras me pareçam exageradas ou sentimentais. Que não faça já sentido dizer que agora, como no início do século, os inimigos namoram. E os que querem uma lógica de sanidade buscam o centro político, em desespero. Depois do 11 de Setembro, Bush e Bin Laden foram a melhor coisa que aconteceu um ao outro. As respectivas ideologias puderam dar ao inimigo um rosto visível e juntar tropas e apoio. Conseguiram mesmo arrastar pessoas para as suas trincheiras que agora se arrependem do que defenderam ou mesmo do que fizeram. Ex-falcões e ex-fundamentalistas fazem conferências, vendem bestsellers, defendem a paz e a concórdia e lembram-nos o passado que nunca passou na verdade.

É que a guerra já não é um anúncio, uma ameaça, uma convocatória, um fumo no horizonte. É já o terrível barulho de fundo. Nela investem os donos do mundo, com posições cinicamente oponentes e concomitantes. O fundamentalismo recruta pessoas de todo o mundo quer para a sua causa quer para o medo dos seus efeitos. Só o cinismo parece ajudar a tapar os ouvidos para que os sons das bombas e as vozes dos refugiados não nos causem alarme ou desconforto permanentes. Já não se quer melhorar o mundo, distribuir riqueza, garantir o acesso de mais pessoas à liberdade e a à segurança. Agora a batalha é pela identidade. Com os pretextos mais impensáveis, berra-se por minúcias e criminalizam-se imprudências. E ataca-se preventivamente o outro porque, inevitavelmente, é outro. Não conhece a nossa história e, só por pensar diferente, é agressor.

Eu não sou do centro político. Sou utópico e o meu optimismo diz-me apenas que vale a pena tentar. É, digamos, um optimismo à Beckett. É preciso pelo menos falhar. E a discussão online, hoje, está cheia de pressupostos que, como diria Wolfgang Pauli, nem sequer estão errados.