#000241 – 15 de Julho de 2020

O imperador estava aborrecido. Nesse dia, ao olhar os seus vassalos, lembrou-se de brincar com o seu poder. Imaginou o alcance dos seus caprichos. Teve uma ideia grandiosa. Iria provar a hipótese dos cientistas da corte, essa imaginada redondeza da Terra. Falou com os nobres que o bajulavam com arte e devoção. Com eles fez o plano, os escrivães desenharam o necessário e a todos os cantos do império se enviaram pergaminhos selados, com o detalhe a cumprir. Os emissários, depois de transmitida a mensagem, ficariam também a assegurar a execução.

Mandou que todos os que estavam sob o seu jugo fizessem uma fila. A pessoa da frente a não mais que um passo da de trás. Tudo estava já preparado de maneira a que a fila atravessasse fronteiras, subisse e descesse montanhas, contornasse os grandes lagos, passando em pontes, desfiladeiros e tuneis. Chamou a isto dominó, como vingança contra o seu pai, que sempre o venceu ao jogo.

Aos portões do Palácio Imperial manteve o silêncio, gozando a antecipação com um grande sentido de propriedade. À sua esquerda e à sua direita se viam filas. Uma sendo a cauda da outra. O próprio imperador era o elo divino a ligar toda aquela gente sem voz nem vontade.

Colocou a grossa mão do seu poder sobre o pescoço de uma camponesa. Ao ouvido da mulher disse, “repete o que te digo: CAI!“. Empurrou-a com as duas mãos, cheio de economia e luxúria. A mulher caiu, e enquanto se amparava com as duas mãos na pessoa seguinte, berrou também ao da sua frente: CAI!. A ordem imperial era passada de um para outro, atravessando o mundo como uma inevitabilidade, uma direção divina. Em menos do que se julgava, começou a ver-se desde as colinas uma pequena ondulação no risco feito de gente. Era um fio, uma corda de gente que tinha sido levemente chicoteada pela terra. O imperador impressionou-se consigo mesmo e ficou ali, aos portões, à espera que a criança na cauda da fila caísse aos seus pés. Veio, aquela transmissão de uma ordem, um presságio já confirmado. E caiu também o imperador, sob o peso de uma criança, debaixo da força de um povo inteiro. Assim acabou o império, ao começar uma ideia simples, vinda do lado menos esperado.