#000243 – 17 de Julho de 2020

E se uma forma de consciência emergir numa máquina? Ainda assim mantenho uma distância de estranheza em relação a essa possibilidade, mesmo fazendo o exercício de a imaginar. Uma máquina (aqui a palavra significa apenas software) não terá esta coisa que consegue olhar para os automatismos não sendo precisamente esses automatismos.

Num humano, a consciência funciona como uma perspectiva, uma amplitude de percepção, uma predisposição a acolher o que existe. Não é uma direção ou um conjunto de impulsos, é antes um espaço, uma capacidade difícil de definir. Numa máquina, é o código que dita qualquer iniciativa. E, mesmo havendo qualquer tipo de auto-reflexividade, seria ela própria um automatismo, um processo.

De alguma forma, a metáfora do processamento não é suficiente para descrever a mente humana. Não somos um organismo feito de hardware a executar o software que a evolução vai escrevendo. O problema nem sequer é só mental. Não somos sequer uma coisa que acaba definitivamente à sua superfície, com fronteiras bem definidas. As bactérias com que existimos também fazem parte de nós. E o trânsito molecular entre o que identificamos como nosso corpo e tudo o que está em volta é constante. O ar é tanto do nosso exterior como do nosso interior. Há momentos sci-fi muito interessantes quando se vê um androide no espaço, sem capacete, ou a “acordar” depois de muito tempo debaixo de água. Essa súbita diferença que se evidencia mostra, pela ausência, um detalhe do que é humano. E não é uma questão que se possa reduzir com facilidade. O ar não é um combustível, as moléculas não são peças, as bactérias não são upgrades.