#000245 – 19 de Julho de 2020

Esquerda e direita, embora úteis, são palavras insuficientes para descrever a política. Não porque não haja ideias claramente de esquerda e outras claramente de direita. São palavras limitadas, porque colocam o pensamento político numa linha. Por isso se fala habitualmente de extremos, de extrema direita e de extrema esquerda. E se pensa que é por estarem muito à direita ou muito à esquerda que algumas pessoas defendem ideias de violência ou de intolerância. O perigo, nesta análise linear, é alguém tornar-se demasiado de esquerda ou ser demasiado de direita. É estranho pensar assim, porque as palavras são posicionais e não uma medida, uma quantidade. Falar assim é uma forma útil de simplificar as coisas. Mas é bastante redutora.

Eu também simplifico, que a política é coisa que já traz complicações suficientes. Faço-o igualmente uma linha, mas não é a da distância a que se está do correto e do errado. Nessa linha de posições políticas a que nos habituámos, são evidentes o centro, a esquerda e a direita. A visualização linear habitual permite escolher a nossa posição e tudo o que se afasta da nossa posição está errado ou extremamente errado. A minha linha tem outra utilidade. Não é como essa, que se assemelha à linha dos números. Na convencional, o zero é o centro político, para a esquerda vai-se no sentido do idealismo e do coletivismo e para a direita no sentido do individualismo e do pragmatismo. Eu descrevo as minhas ideias como um vetor: um sentido a partir de um ponto.

O ponto de partida é uma sociedade aceitável, em que as pessoas possam viver com dignidade e segurança mínimas e com uma certa liberdade partilhada. Chamo a isso social-democracia. E estou precisamente a pensar no cliché dos países Nórdicos, desde os anos de 1970 até ao início do século XXI. É o mínimo, creio, a que uma sociedade pode aspirar. A direção em que penso é a da utopia. Quando maior o afastamento do ponto de partida, melhor, mais livre seria a sociedade, mais criativa e próspera, mais centrada nas pessoas. Não sei, nem me parece possível saber, quanto. Mas julgo aceitável desejar o bom, para todos.

Isto é apenas uma referência. Ajuda-me a organizar as minhas dúvidas. E sei que grande parte das pessoas, mesmo nos países Nórdicos, já não vê aquele modelo de sociedade como um ponto de partida razoável e alguns (num bizarro revisionismo) o ridicularizam ou demonizam. O mundo político atual, coisa estranha e fragmentada, aponta mesmo em sentidos muito contrários ao do meu vetor pessoal, sentidos mais próximos da distopia. Os últimos meses foram de grande desafio para as minhas ideias e tive de repensar muita coisa. Só daqui a algum tempo é que poderei saber como me transformei. Imagino que sou de esquerda e com algum atrevimento até me intitulo anarquista. Mas em que termos é que a esquerda se consegue reinventar não sei. Não sei também como ser anarquista. Há uma tristeza a pairar nos meus dias. Como a de quem vê a bondade quotidiana ser derrotada por um exército. A sociedade é união muito frágil e historicamente houve quem conseguisse reunir pessoas para a destruir. Não sei, afinal, nada sobre o futuro. Consigo para já apenas repetir esta ideia: não é centro a solução milagrosa. Principalmente quando, em tanta coisa, já nos puxaram para um extremo.