#000263 – 06 de Agosto de 2020

“Os Despojados” não é uma narrativa heróica convencional. O protagonista não é uma figura que começa por lutar contra circunstâncias adversas. Não existe uma ameaça, um inimigo exterior a derrotar. São as suas ações que criam conflito, ou que revelam um mal estar não assumido. Quer a sociedade de Shevek, quer a sociedade externa à sua estão relativamente estáveis e satisfeitas com os seus modelos políticos.

Os problemas surgem porque é Shevek que se sente insatisfeito. E isso o leva a tentar mudar as relações entre dois planetas, forçando-os ao diálogo que não desejam. Encontra resistência nas sociedades que ele quer unir. As suas decisões fazem-no enfrentar uma enorme solidão.

Este livro é a minha referência no que toca à literatura utópica. Longe de descrever como é que as coisas seriam se fossem perfeitas, Ursula K. Le Guin mostra as dificuldades de uma sociedade baseada na liberdade e na colaboração voluntária. Há ainda uma ideia, que é a grande motivação da personagem principal, de lutar contra o conformismo e o impulso de fechar a sociedade em ideias cristalizadas.

Shevek é uma figura ética muito interessante. Arrisca tudo porque acredita de facto nos seus valores. É alguém com um peso trágico, que quer aproximar duas sociedades de um mesmo povo, contra a distância confortável que se criou em muitos anos.