#000280 – 24 de Agosto de 2020

A distopia é uma forma de descrever medo, ansiedade. É a invenção de um futuro credível, um pesadelo que se consiga extrapolar a partir da realidade. Muito mais difícil é o ofício utópico. O de criar um sonho, plausível, como futuro desejável. Os medos, afinal, parecem unir-nos. Temos fobias e traumas semelhantes, partilhamos dificuldades. A felicidade é algo essencialmente pessoal. O utopista, julgo, falhará se tentar descrever um paraíso, um destino final livre de conflito e erro. Uma Arcádia.

China Miéville usa a analogia da Teologia Negativa. Em “Silence In Debris: Towards an Apophatic Marxism”, defende que se deve descrever o lugar para onde queremos ir de forma negativa. Tal como há teólogos que apenas descrevem Deus pelo que ele não é: “Deus não é mau, Deus não é humano, etc.”, os marxistas devem descrever o comunismo pelo que ele não é. Ora, como táctica política isto faz sentido. Mas não é solução para quem quer escrever utopias.

As minhas referências são duas das grandes histórias da ficção científica. Ambas da Ursula K. Le Guin. Em cada uma das histórias, a autora descreve uma sociedade justa a partir precisamente dos seus problemas e conflitos. Eu estou a escrever uma história utópica. Não sei ainda o que vai sair, se valerá a pena tentar publicar. Mas sei que a tenho de escrever.