#000318 – 01 de Outubro de 2020
Saudade é palavra que não existe em mais nenhuma língua. Esta proposição ou é falsa ou verdadeira. Estou mais inclinado para acreditar que, nos muitos milhares de idiomas do planeta, existem aproximações. Mesmo que não existam cognatos (palavras noutras línguas com a mesma origem), é provável que existam palavras locais com significado semelhante. E mesmo que não existam palavras que permitam tradução direta, o conceito certamente existe. Tenho muitas saudades tuas, em espanhol pode dizer-se te extraño mucho, e em inglês I miss you a lot. Cada versão tem uma história de uso literário e oral específica e transmite sensações diferentes. Mas é possível comunicar algo semelhante à ideia de ter saudade traduzindo para conceitos próximos em léxicos estrangeiros ao português. Isto não é assinalável.
O que é curioso é nós portugueses termos um certo orgulho da unicidade (verdadeira ou mítica, não importa) da palavra saudade. Um momento estranho que recordo de tempos a tempos é o do encontro de Anthony Bourdain com a Carminho e o António Lobo Antunes, numa casa de fados típica. Bourdain, no mesmo programa falaria com os Dead Combo. Carminho, com idade para ser pelo menos filha de Lobo Antunes, defende esta forma de sentir portuguesa. António Lobo Antunes desconstrói-a, chegando a ser bastante acutilante. Logo a seguir à forma apaixonada como Carminho fala da poesia que acabou de cantar, Lobo Antunes começa com “Many portuguese still live in a illusory past”.