#000320 – 03 de Outubro de 2020

Pensar o passado é tão desafiante como pensar o futuro. Para Kim Stanley Robinson, o que distingue um romance histórico de um romance sci-fi é que para escrever o primeiro pode recorrer-se a documentos. Para o segundo, não, independentemente de a história se passar no futuro ou no passado remoto. Por isso ele considera que a história que escreveu passada na Idade do Gelo é sci-fi.

Imaginar o que pensa um ser humano que viveu milhares de anos antes da invenção da escrita é viajar de olhos fechados, sem coordenadas. Tão difícil como imaginar como pensa um ser de outra galáxia. Mais ainda que os detalhes do enredo, as personagens têm de ser credíveis. Deixamo-nos conduzir por pormenores irreais, seja de realismo mágico, seja de fantasia ou de momentos em que o que é onírico invade a realidade da história. Mais dificilmente acreditamos em personagens que não provoquem algum tipo de empatia ou pelo menos de reconhecimento.

Em inglês fala-se muito da suspension of disbelief como critério para que o leitor possa desfrutar de uma história com eventos, pormenores, conceitos em que não acredita. Por exemplo, uma história com fadas ou fantasmas ou personagens com poderes mágicos. Tenho a tendência de pensar que o contrário acontece. Que não se trata de desligar o botão do ceticismo. Penso antes que algo é ativado. Talvez mesmo o mecanismo da crença. Ou algo semelhante à amplitude que um sonho permite. Ler talvez seja estar na fronteira da consciência com o sonho. A imaginação é esse motor que nos empurra na direção do sonho. Paradoxalmente, o motor não funciona se não houver consciência.