#000327 – 10 de Outubro de 2020

Há vários meses que não me lembro dos sonhos. Há um mundo alternativo a que não tenho tido acesso. O sonho, como uma alucinação, é mais real que os objetos. Acontecendo no organismo, é um evento feito exclusivamente do que se percebe. Já uma cadeira, uma gota de água, o som de um grito, o vento, só os conheço mediados pela minha percepção. A pergunta “Se uma árvore cair na floresta e não houver ninguém para escutar, faz algum som?” tem resposta. Pelo menos para os realistas especulativos, uma árvore não precisa de humanos para existir nem para interagir com o mundo físico. Repetindo a frase de Tristan Garcia que aqui citei: “la realité n'a pas besoin de nous”. Uma árvore cai e provoca uma onda acústica. Essa vibração do ar acontece, quer haja ouvidos humanos perto ou não. O som, na física, é essa forma de propagação.

Mas, na linguagem corrente, chamamos som não ao evento físico mas ao estímulo recebido pelo aparelho auditivo. Um surdo não ouve, o que significa que não tem a capacidade de transformar esse estímulo em determinados eventos no sistema nervoso. Mas sente ainda a onda acústica, se esta for suficientemente forte ou se estiver suficientemente próximo. Por isso, um surdo consegue sentir a música numa discoteca ou num concerto. A realidade, diz Graham Harman, existe, simplesmente não a podemos conhecer. Acedemos ao que é real ou indiretamente através da arte ou de forma distorcida e incompleta, através da nossa percepção. Um sonho não é mediação. Não é a percepção de algo exterior. É absolutamente íntimo, aparentemente transcendente.