#000419 – 09 de Janeiro de 2021

A Estrada. Talvez o romance mais desolador que li. A contenção e a simplicidade são aguçadas. A violência não é exuberante, selvagem. Na linguagem do livro, dela temos apenas a aflição animal da sobrevivência, o motor chamado medo, um pragmatismo extenuado e extremo. Do que me lembro a narrativa não nos deixa aceder ao íntimo do protagonista, mesmo se é ele que conta a história na primeira pessoa. Ao contrário do que é comum na ficção atual, ficamos desamparados perante condições materiais aterradoras, desumanas, sem podermos agarrar-nos à empatia pelo que sente a personagem principal. Zero de sentimentalismo. Não somos conduzidos, ninguém chora connosco. Ler o livro de Cormac McCarthy está longe de ser uma experiência lúdica e superficial, como a de assistir a um filme de horror. Fazer aquela estrada com um pai a quem lhe resta o seu filho, única instância remanescente de humanidade do mundo, é escutar o eco da dúvida no vazio do nosso próprio íntimo. É um exercício muito doloroso, necessário. Só possível quando a ficção se torna a melhor forma de enfrentar o pior que a realidade encerra.