#000559 – 29 de Maio de 2021

Misantropia. Há um cliché muito revelador na teologia da singularidade. É comum em muita sci-fi e algum transumanismo: uma superconsciência artificial que emergisse acharia que os seres humanos são uma praga. O nojo que o Agent Smith sente pela humanidade é uma projecção desta culpa megalómana que a nossa cultura de ódio-próprio produziu. É sedutora a ideia de uma consciência sem o peso do passado humano. Sem a “maldade” que, enquanto herdeiros do cristianismo, assumimos como pecado original. Assim nos redimiríamos: não haveria um último homem, um cristo que sendo humano seria já divino e bom. A redenção viria pela destruição do que é humano. Ao gerar um ser artificial, seríamos divinos, criadores. E, em vez de nos oferecermos como cordeiro redentor, seríamos chacinados no altar da singularidade pela nossa criatura. Considero aterradora esta sobreposição da “inocência” da máquina pensadora com a fria decisão de nos aniquilar. Mas chega a ser defendida com todas as letras, explicitamente. Há quem diga que o planeta ficaria muito melhor sem nós, com a horrenda vaidade de quem se considera monstruoso. Os singularistas misantropos são zeladores da calamidade.