#000718 – 16 de Agosto de 2021

Há mais magia na descoberta que no mistério. Ignorar causas é a condição humana, não há nada de esotérico no desconhecimento. Mesmo que seja o desconhecimento de coisas de enorme magnitude, como as leis do universo. Sei quase nada sobre o muito que me rodeia. Mas descobrir algo é ser encantado pela realidade. Mesmo no mais corriqueiro. Lembro-me de quando vi pevides a secar pela primeira vez, em criança. De como percebi que as pevides eram sementes de abóbora, secas e salgadas. Lembro-me de quando toquei o primeiro acorde numa guitarra, de uma posição específica dos dedos sobre as cordas permitir um milagre acústico. Lembro-me da primeira vez que nadei, para orgulho do meu pai, no mar da Figueira da Foz. Lembro-me das tentativas falhadas de fazer pudim, na minha infância, de como fazia ovos mexidos e me achava um alquimista da cozinha só porque eram comestíveis. Lembro-me dos primeiros metros que pedalei sozinho na bicicleta do meu primo, da primeira vez que me pus em pé numa prancha de surf em Viana do Castelo, de aprender a saltar com patins em linha. Olho a linha do horizonte e maravilho-me com o facto de aquilo ser uma ilusão, de não haver linha nenhuma, apenas a curvatura do planeta. Mais me impressiona saber isso do que imaginar estranhezas do outro lado do mundo. Tenho uma imaginação selvagem. Mas é a criatividade, o ato de trazer da consciência para o mundo coisas incriadas, que me arrebata. Na ficção científica gosto de criar cenários onde coisas impossíveis se tornam plausíveis. É esse movimento, do que não existe para a realidade que me seduz, não o contrário. Por isso a superstição me agonia tanto, na sua tendência de pegar no banal e elevá-lo à categoria de inefável.