#000737 – 04 de Setembro de 2021
Nunca pensei no que passei na escola como bullying. Foi só ao falar com uma amiga, décadas depois, que percebi que era estranho não ver aqueles eventos dessa forma. Durante 3 anos, no secundário, grupos de colegas da minha turma atacaram-me com uma frequência que foi diminuindo. Tinham um de dois objetivos: “malho” ou “levar ao poste”. O malho consistia em rodear a vítima e dar-lhe murros e pontapés. Levar ao poste era agarrar a vítima pelos braços e pernas, abrir-lhe as pernas, empurrando-o de encontro a um poste várias vezes, de forma a que os genitais e o cóccix embatessem contra esse poste, enquanto quem assistia incitava os agressores, fazendo sons que acompanhavam o balanço. Isto aconteceu na mesma escola em que anos mais tarde um grupo de raparigas atacou e bateu num rapaz, filmando tudo e colocando online o vídeo.
Uma das razões porque não pensei naquilo como bullying talvez seja porque o que aconteceu o consegui integrar e, não havendo vídeo daquilo, pude seguir a minha vida. Aquele passado não me magoa, não tem poder sobre mim. A outra razão é porque achei que aquele comportamento era o comportamento normal de um grupo de rapazes. Ligado a este ponto, com os meus 16 anos achava que era assim que um grupo, em geral, se comporta, muitas injustas vezes, contra uma pessoa isolada. A crueldade do grupo para com um indivíduo já era algo com que eu contava. Bem antes de chegar aos 16, eu tinha aprendido que não preciso de um grupo para me validar e por isso nunca me culpabilizei pelo que aconteceu. Sempre esteve claro que a culpa era dos agressores.
Mas a principal razão porque consegui superar aqueles acontecimentos é simples: eu sempre me defendi. Com dificuldade e determinação. Em todas as vezes em que me atacaram fui uma vítima que resistiu, berrou, pontapeou e se defendeu como possível. Fi-lo sempre e de tal forma que a partir de certa altura eu passei a ser um alvo menos apetecível. Esta dinâmica é explicada por Rory Miller em “Meditations on Violence”. Diz o perito em defesa pessoal sobre este tipo de ataques que os agressores procuram uma vítima passiva, indefesa, para poderem fazer do ataque um espetáculo para quem assiste e exibirem-se numa situação de domínio. Quando a vítima se defende com a sua própria agressividade, torna-se menos atrativa. O risco de um agressor também se magoar aumenta e a “qualidade” do espetáculo diminui. A explicação dada por Robert Sapolsky sobre a testosterona diz que esta hormona estimula comportamentos que aumentem o estatuto social e é isso que explica alguns comportamentos violentos. Os bullies, faço agora a ligação entre Rory e Sapolsky, procuram subir o seu estatuto social, montam um espetáculo violento com esse intuito.
Eu não sabia disto e, na verdade, com o cyberbullying tudo é muito pior, porque ultrapassa o evento e o assédio e a agressão passam a acontecer online e ganham outra dimensão. Penso que teria muita dificuldade em me defender e superar bullying se tivesse nascido mais tarde e tudo acontecesse online. Na altura, eu simplesmente me defendia, como um animal acossado. Não tenho nenhum rancor em relação a estes acontecimentos, embora seja claro para mim que este tipo de comportamentos são de uma crueldade sem desculpas. Mas talvez tenha ganho alguma confiança precisamente por ter passado por situações destas, que são difíceis socialmente e que comportam risco físico. A consequência disto é que noutras situações sociais em que sou atacado, o meu impulso é imediato: defender-me. Sou um péssimo engolidor de sapos.