#000754 – 21 de Setembro de 2021
A expressão snail mail intriga-me. Coloca o correio numa comparação desajustada. Nesse sentido, e para ser justo, correio electrónico é também uma expressão desajustada. Uma mensagem de email não é como uma carta que simplesmente chega através de um ecrã. Afirmar isso seria o mesmo que afirmar que o telégrafo e o telefone são essencialmente a mesma coisa, utilizando meios diferentes. A velocidade e a reciprocidade importam. Um chat, por exemplo, é mais próximo da oralidade do que de uma troca de emails ao longo de vários dias. Foi no início do século XX que o telefone começou a ser utilizado por milhões. Por isso quase um século antes de se passar a usar o email de forma generalizada, ninguém contava com as cartas como forma de conversar à distância. Correspondermo-nos com alguém é uma atividade muito diferente de trocarmos emails, ou falarmos ao telefone. A lentidão não é uma desvantagem, é uma das suas características fundadoras. O meu avô usou o telégrafo que era, em alternativa às cartas, uma forma de enviar uma mensagem longe e depressa, uma alternativa à lentidão do correio. Aqui não tem de haver nostalgia nenhuma. O email traz vantagens que o correio nunca teve. O correio tem características impossíveis ao email. O que se escreve em papel, para enviar fisicamente, é paradoxalmente mais espontâneo e duradouro. As cartas guardam-se, como lembranças, como se deixou de fazer com as fotografias. Uma carta é um objecto que foi manuseado pelo remetente e que pode trazer, através da caligrafia, algo do momento em que a mensagem foi escrita. Antes da comercialização dos envelopes, a própria carta era dobrada e lacrada, recebia selo e carimbo. Há nisto uma intimidade de artesanato. Uma carta não é um email mas mais lento. Tal como um email não é uma carta mas digital.