#000831 – 07 de Dezembro de 2021

Hoje uma pessoa que não me conhece, e nunca me viu, insultou-me. Usou séculos de história de escravatura e colonialismo para me ofender. Pensava que eu era africano e perguntou-me se eu tinha a certeza de conhecer bem a minha ascendência. Imaginando-me derrotado, riu-se obscenamente, como quem cuspiu o nojo que sente. Atirou-me com a violação em contexto de escravatura para me ferir. Mais novo, das vezes que me chamaram maricas, não me defendi. Achei que defender-me seria ser cúmplice da ideia aberrante de que há algo de vergonhoso em ser homossexual. Nos últimos anos, várias vezes me chamaram de árabe, marroquino, africano, ao escutarem a minha voz. Disseram-me coisas feias. Dói-me o esforço de ser simpático para pessoas que não o merecem e que se esforçam em magoar quem tenta ajudá-las. Gostaria de ser sincero e lhes dizer como é feio o que dizem. Mas sou um alvo acidental. Em mim encontraram o inimigo que já tinham, porque me confundiram. Não faço ideia do que será crescer com esta inimizade, ter de enfrentar agressões e tentativas de humilhação, discursos desumanizantes. Não sei, na verdade, o que é ter de lidar com racismo ou homofobia. Sei que estas sombras existem e são aguçadas. Que a sua linguagem é usada como arma dos que não sabem lidar com a diferença. Trabalhei com árabes, berberes, africanos, quando vivi noutro país. Tratavam-me como a um irmão, com um carinho cheio de força. A única vez que uma pessoa me disse na cara para ir para a minha terra, estando eu a viver noutro país, os meus dois irmãos africanos fizeram sua a minha defesa. Ainda com educação mas de forma firme, falaram por mim, explicando que eu pagava os meus impostos, contribuía para a sociedade em que vivia e que tinha direito a viver ali tal como outra pessoa. Foram eles os meus aliados, irmãos da mesma humanidade. Espero um dia merecer a sua solidariedade e nunca esquecer que não há ódio que nos derrote.