#000839 – 15 de Dezembro de 2021
Desenhar a partir da imaginação é difícil. Primeiro imita-se, usa-se uma referência, copia-se o que se vê. Mas é a imaginação o objetivo. Nela existe amplitude e liberdade suficientes para a criação, esse estranho ofício de colocar coisas no mundo, em vez de apenas se reproduzir as que existem. A imaginação não existe fora da realidade. Nem inventa algo do nada. É uma espécie de vazio, em que há mais espaço para errar. É nobre esse acto do desenhador que usa apenas o ofício que aprendeu e o impulso da imaginação que foi alimentando. Sem corpo alheio para lhe inspirar a figura humana, sem objectos ou paisagens à sua frente como referência. Na ficção, defendo, é igualmente bela e vital essa forma de ir buscar ao dentro o que se colocará fora. Vivemos um movimento no sentido da auto-ficção. Até os ensaios começam a ter muito de narrativa pessoal. Valorizamos tanto a história de quem fala de si que até desconfiamos do escritor que escreve sobre vidas que não viveu. Mas é esse acto, de o escritor se colocar nos sapatos de personagens que não existem, que devemos acalentar. Dizemos que um livro nos permite viver experiências de outras pessoas. É o escritor que começa por o fazer. Enriquece as páginas com esse fôlego com que encheu o vazio criador. Diz realidade inventando. Fala verdade com impossíveis. E dá-nos o que não tem, para que possamos viver o que não existe. Ainda.