#000859 – 04 de Janeiro de 2022
Os pronomes em inglês são mais afiados. No presente do verbo saltar, por exemplo, só se conhece a pessoa verbal através do pronome. Eu salto, eles/elas saltam, tu saltas. Em inglês, I jump, they jump, you jump. O pronome inglês declara, enuncia, identifica, revela. Em português, é opcional. “Saltámos” pode ser uma frase inteira. A isto se junta o facto de em inglês os adjetivos não flexionarem em género gramatical e as palavras em geral não terem formas masculinas e femininas. A um nativo de inglês não é natural esta ideia de que um homem possa ser uma pessoa baixa e uma mulher um ser humano único. A nós, nativos de português e dos idiomas latinos mais próximos estas expressões soam-nos banais. Mas para um nativo de inglês a quem expliquemos as expressões palavra a palavra, saltam aos ouvidos os contrassensos: homem-baixa e mulher-único.
Ao falar, aprende-se o género gramatical em inglês como uma forma de identificar o género de facto da pessoa ou animal referidos. A única razão para a palavra pessoa ser feminina em inglês seria por se referir a uma mulher ou, na forma fria de identificar género em inglês, “a female”. O mesmo para ser humano que, sendo masculino só se poderia referir a um “male”. “Chairman” é, como todas as palavras em inglês, neutra em género gramatical. Mas refere-se a um homem. Por isso a mudança para a expressão “Chairperson”. He e she em inglês são identificadores não do género gramatical da palavra, mas do género do ser vivo a que a palavra se refere. Este facto permite usar um pronome para assignar género. Como nos pet names que se dão a objetos. Em português não funciona. É difícil dizer de um carro que é uma ela, mas não de uma guitarra. Ela ou ele não mudam nada. Conseguimos mesmo dizer “o meu carro chama-se Joaquina” ou “a espada do elfo chama-se Relâmpago”. Isso não nos confunde. Em português feminino e masculino, no que toca a palavras, não implicam um género.
Esta capacidade que os pronomes ingleses demonstram como identificadores de género talvez ajude a explicar parte da importância que ganharam em algum activismo nos EUA. Para quem luta para que o seu género seja aceite e respeitado pelos outros, o primeiro passo é que seja reconhecido. E um pronome, em inglês, tem essa tradição. Reconhece, identificando, o género. Mas isso não acontece em português. A nossa riqueza gramatical até pode ser uma vantagem, gerando mais possibilidades de nuance e fluidez e abrindo alternativas de expressão de género de que uma língua como o inglês não dispõe. Antes de adquirirmos todos os tiques da política identitária americana, seria bom não esquecermos a forma como nos tratamos em português. Porque para nos reconhecermos e respeitarmos, temos que começar por entender o que andamos a dizer uns aos outros.