#000953 – 08 de Abril de 2022

Uma professora de filosofia disse-me um dia, o último em que falámos, “que a vida te trate bem”. A frase, tosca e de formulação forçada, nunca mais me saiu da cabeça. Na altura as coisas corriam-me mal, os meus 17 anos eram tempestuosos. A cortesia daquela mulher veio numa frase pouco habitual, não surgiu de um automatismo social. Mesmo a forma de o desejar foi quase trapalhona, a hesitação desfeita com um sorriso que me pareceu sincero. A minha memória foi guardando estas palavras, que não têm nenhum ensinamento nem são especialmente originais. Ficou-me esta bondade simples de um adulto, que tirou uns segundos para me oferecer um sorriso em vez de se fingir sábio e conhecedor do que me afligia. Talvez na altura, assolado pela depressão, me tenha comovido alguém expressar um desejo que as coisas me corressem bem, tendo como horizonte temporal a vida toda. É possível que eu me tenha imaginado, no fim da vida, a olhar para trás para fazer um balanço. Ainda penso assim, estou muito longe de começar a fazer balanços. Quero chegar a esse ponto, o mais longínquo possível, em que tenha uma perspectiva com uma amplitude que nem consigo imaginar agora.