#001015 – 09 de Junho de 2022
A vida de um “influencer” intriga-me. Ou melhor, surpreende-me a ideia de que levam uma vida invejável. Sobretudo o estereótipo de que encontraram uma forma de fazer aquilo que gostam mais: um “influencer” que goste de viajar encontrou um modo de se dedicar apenas a viajar. Quando assisto a um vídeo de um “influencer” a fazer uma viagem num local remoto não consigo deixar de pensar na logística de produzir aquilo. Deixar a câmara posicionada para filmar a caminhada de um a outro canto do ecrã e voltar atrás para pegar na câmara e fazer-se ao caminho de verdade, gravar várias vezes uma confidência para a câmara, até parecer autêntica. Sobretudo os vídeos em que alguém faz uma viagem de bicicleta, algo que me interessa de modo muito pessoal, têm algo de paradoxal. Ao mesmo tempo que estes “influencers” dão conselhos sobre como poupar espaço e peso, têm de se preocupar com o espaço e o peso de câmaras, drones, baterias. Eu reconheço que fazem conteúdo com algum interesse para mim. Mas nunca lhes invejaria o papel de produtores de conteúdo. Em tudo o que os vídeos representam, o vídeo é a parte desinteressante. A preocupação em registar os momentos mais belos que se vivem é bizarra. À minha sensibilidade ainda se junta a agressão que seria ter de difundir a minha vida publicamente e ter de depender da avaliação dos que assistem a esse espetáculo público para poder continuar a sustentar-me. A forma mais rápida de eu deixar de fazer uma coisa seria transformá-la num canal de YouTube. Não falo da utilização destes meios digitais como promoção do trabalho produzido. Falo especificamente da difusão da vida como coisa “autêntica”, como “conteúdo real”. Os dias que passei sozinho a pedalar são importantes para mim também porque não se tornaram um espectáculo para o mundo. Como todas as coisas íntimas e importantes, não se “partilham”.