#001178 – 23 de Novembro de 2022

Talvez seja amor. Um amor desigual, desnivelado. De alguém que só recebe de quem não pode sequer retribuir. Leio Ricardo Araújo Pereira, escuto o Gregório Duvivier e não é bem admiração este afecto enorme que lhes tenho. O intelecto de uma pessoa que me faz rir mexe comigo. Talvez seja uma espécie de amor, menor, o que sinto por pessoas assim, que me fazem rir e tocam em pontos que às vezes, sem a devida gargalhada, doem muito. Não é bem devoção, é uma espécie de gratidão, como a sensação no final de um concerto muito bom. Mas é um sentimento que fica e que é activado a cada contacto com estes humoristas. Neal Brennan faz-me rir com a sua, com a minha depressão. James Acaster assume a sua, talvez a minha, personagem de trengo alienado. Sarah Silverman assinala-me as fraturas que o preconceito e o sexismo abrem na personalidade, na interação com o mundo e os outros. Duvivier fala de 10 livros importantes para si, onde se incluem o Caderno de Memórias Coloniais, da Isabela Figueiredo e o The Dawn of Everything dos dois Davids e há uma felicidade como a de descobrir que uma pessoa amada tem bom gosto nos livros ou na música. É uma afinidade quase amorosa. Sentimento de uma só direção. Sou, no máximo, parte dessa massa anónima chamada público. Semelhante ao anónimo Leitor que paira durante a escrita de um livro. Da consciência dessa interação depende o trabalho do humorista e o do escritor também. Mas o humorista, sobretudo o do stand-up comedy, costuma atuar no instante, na presença, na empatia. Desperta paixões, mexe em feridas como quem cura e faz despertar esta forma de amor, esta gratidão de quem se aceita melhor ou simplesmente reconheceu outro ser humano, na dor e no riso.