#001238 – 23 de Janeiro de 2023

Não sou um leitor típico. Pelo menos não sou o leitor médio de que se fala quando se dá conselhos aos escritores. Não estou à espera de me identificar com a personagem principal e de ver tudo à luz das peripécias por que tem de passar. Estou à espera de ler sobre um mundo, uma sociedade, um local, um contexto que ganha solidez e credibilidade na minha imaginação. E nesse lugar gerado pela narrativa irei habitar com as personagens. É por isso que a ficção científica tanto me cativa. O worldbuilding é central, as personagens vêm a seguir. Desconfio da ideia de que uma personagem bem construída terá ensinamentos sobre a humanidade, que os detalhes da sua sua vida particular têm afinidade com as vidas de 7 biliões de pessoas. Esta estranha forma de busca do universal mais facilmente cria personagens medianas e menos surpreendentes. É certo que a personagem pode ser um alpinista, por exemplo, ter uma atividade ou história que poucas pessoas na realidade têm. Mas nesse caso ainda me faz mais confusão a pretensão de universalidade. No caso específico do alpinismo, uma história que me erigisse Katmandu ou o Acampamento Base no Tibete na imaginação poderia a seguir ter as mais inverosímeis e fascinantes personagens de que o escritor se lembrasse. Há, felizmente, muitos escritores na história da literatura que fizeram isto, fora da ficção científica. Saramago é um exemplo. Arundhati Roy é outro. Jorge Luís Borges é o exemplo perfeito.