#001259 – 13 de Fevereiro de 2023

As palavras de Einstein, dirigidas a Heisenberg, citadas no livro de Manjit Kumar, são relevadoras:
(...) it is quite wrong to try founding a theory on observable magnitudes alone. In reality the very opposite happens. It is the theory which decides what we can observe.

A descoberta dos buracos negros parece confirmar o argumento de Einstein. Este previu matematicamente a existência de buracos negros. Foi porque já existia teoria que os cientistas procuraram especificamente este objecto estelar. Um exemplo ainda mais espetacular é o do Bosão de Higgs. Peter Higgs propôs a existência de uma partícula, ainda por descobrir, que resolveria inconsistências no Modelo Padrão de partículas. A matemática batia certo. E em 2012, cientistas a trabalhar no Grande colisor de hádrons detectaram uma partícula que pode ser entendida como corresponder à partícula que Higgs tinha sugerido. É possível que se dê a próxima grande descoberta feita assim, porque há teoria que a prevê e oferece aos cientistas uma estrutura de referencia. Várias experiências têm tido resultados promissores na detecção da Matéria Negra. Pode estar para breve a confirmação de que de facto existe.

Levando mais longe o argumento de Einstein, a forma como visualizamos um buraco negro, uma partícula ou energia depende dos conceitos que a ciência teórica foi capaz de produzir. Poderíamos, para as mesmas medições, pensar de forma muito diferente.

Esta forma de a imaginação tomar a iniciativa mostra-me a afinidade natural que a ciência tem com a ficção científica. É a imaginação do cientista, a sua criatividade, que lhe permite explorar possibilidades, criando teoria que, sendo bem fundamentada, surge ainda assim antes da confirmação experimental. Os cientistas a seguir vão tentar falsificar as premissas da teoria. Se a teoria sobrevive a esse produtivo ataque teórico, pode ser que se chegue ao ponto de conseguir conceber uma experiência que confirmasse ou falsificasse a teoria em questão. E, por vezes, até em coisas grandes, uma experiência é bem sucedida e muda a nossa percepção do mundo. Ainda assim, a nossa imaginação já tinha sido desafiada quando a teoria se inscreveu no mundo, no espaço mais ou menos público. A ficção científica cria um mundo e personagens que habitam as páginas segundo as premissas da história. E a história pode falsificar a premissa, complicá-la, descobrir até o que não se procurou. China Miéville dá o exemplo do seu genial Embassytown. Neste livro Miéville tentou criar alienígenas que de facto não tivessem nada de humano, não fossem uma projecção do que somos. A história assenta muito na ideia de comunicação com uma forma de vida que tem uma linguagem que é inconcebível em termos humanos (sim, nisso tem alguns paralelos com a premissa de Arrival). Diz China Miéville que à partida a sua tentativa iria sempre falhar, visto que lhe é impossível pensar de forma não humana. O que Miéville diz é que se pode falhar melhor, à Becket.

A minha dificuldade é que, por ignorância, transformo ideias científicas complexas numa simulação de intuição e senso comum. Baralho as coisas, entendo mal, vejo ligações onde elas não existem, desconheço contra-argumentos essenciais. Não sou cientista e quer o meu raciocínio quer o meu conhecimento são insuficientes para tentar perceber até os rudimentos da física quântica ou de outras áreas. Por isso fujo, enquanto escritor, da hard sci-fi. Seria incapaz de escrever histórias em que o centro de tudo fossem factos e teorias científicas bem fundamentadas. Procuro escrever mais à Le Guin, estruturando a história à volta de como a sociedade e as pessoas se organizam e os conceitos que têm de si.