#001294 – 20 de Março de 2023

Juan Tamariz está em palco. Pede a alguém da assistência que telefone a uma pessoa conhecida à sua escolha. Neste momento pousa um baralho de cartas na mesa e não lhe volta a tocar. Diz à pessoa que está com o telemóvel que peça a quem está do outro lado que pense numa carta, mas não a diga em voz alta. A pessoa escolhe. Juan Tamariz, para dar efeito dramático ao truque, afasta-se da mesa. Diz à pessoa que tem o telemóvel que o seu interlocutor pode dizer a carta. É um sete de copas. A vários metros da mesa, Tamariz pede ao membro da assistência que parta o baralho e a seguir vire a primeira carta. É um sete de copas. O que este truque tem de especial é que não se trata de um truque. Nas palavras de Chris Ramsay, é um milagre. Ou seja, foi pura coincidência que a carta virada tenha sido a carta escolhida pela pessoa ao telefone.

Na magia, esta é uma estratégia usada por vezes. Testa-se a sorte, tendo já um “out”, uma saída com uma narrativa diferente, de forma que a assistência nem se apercebe do que aconteceu. Se houver sorte, o efeito é impressionante. Não existindo, o caminho é o normal, sleight of hand, misdirection, forced choice, control, manipulation, ou qualquer outra das muitas ferramentas do close-up. O que o episódio com Juan Tamariz me diz é paradoxal. O enorme efeito no público só acontece porque o público não suspeita que se tratou de pura sorte. O gozo de quem assiste a um truque é o de ver um efeito impossível. Ou seja, é a ideia de que um truque indesvendável, uma manobra, uma habilidade ou um conjunto de habilidades produziu o que para todos os efeitos, do lado de quem observa, é algo impossível. No fundo, é precisamente saber-se que há um truque que torna um momento algo de mágico. Dito de forma paradoxal, é o facto de se saber que não há magia, que torna o efeito mágico.

Levando este raciocínio à sua conclusão lógica, se de facto existisse magia e algumas pessoas pudessem ler pensamentos, adivinhar cartas escolhidas por outras pessoas, fazer desaparecer objectos e coisas do género, toda a profissão do prestidigitador faria pouco sentido. O talento do “mágico” é o de nos enganar. E o prazer de quem assiste é o de não saber o que realmente se passou. De certa forma, é o reverso da paranoia.