#001353 – 19 de Maio de 2023
Recomeço a ver Dirk Gently. Há uma cena absolutamente hilariante numa ponte que é genial. É muito bem escrita e uma verdadeira carta de amor a todo uma modalidade, a uma construção narrativa que é clássica: a troca de reféns. Relembrei-me, ao rever esta cena que merece ser estudada em todos os cursos de escrita para o ecrã, da importância do trabalho dos argumentistas. Estão em greve na América e, até agora, os estúdios e plataformas de streaming parecem apostar numa estratégia de desvalorização do trabalho destes profissionais e de contínuo declínio das condições de trabalho e da remuneração. Ontem escutei uma entrevista a membros da Writers Guild of America e às tantas diziam que estas reivindicações podem salvar os donos da indústria de si mesmos. Tenho de concordar. Uma cena como a que refiro sem explicar (para não estragar o gozo de quem possa ainda a ela assistir) é o culminar de décadas, do refinamento de um género, do reinterpretar de modalidades e tropismos. E da capacidade dos seres humanos de intuirem o que fará rir outros seres humanos. Abdicar desta riqueza semântica é, além de muito triste, gerir mal o negócio. E explorar através da ameaça e da precariedade os produtores desta riqueza é o mesmo que deitá-la fora. A burrice artifical é fácil de construir. A cultura humana, a criatividade, não.