#001474 – 18 de Setembro de 2023
Comove-me o grunhido “Deep Blue” na primeira faixa de Rough Magic. Roomful of Teeth é um colectivo surpreendente, as composições verdadeiramente ecléticas, as vozes conhecedoras de tradições diferentes. E, penso que pela primeira vez, numa composição deste género, um growl de heavy metal é usado. É um momento tocante. Não foram artistas de heavy metal que quiseram vestir a sua música de outras tradições. Foi ao contrário. A canção é a primeira parte de uma trilogia sobre o programa da IBM que derrotou Kasparov. E por isso o facto de ser um grunhido é curioso. Na tradição do metal, é a animalidade da nossa condição humana, ou a intensidade das nossas emoções que é expressa com aspereza vocal; ou a sugestão de espíritos, demónios, ou forças da natureza que não controlamos. Aqui, é a presença da máquina que se assinala com um grunhido, a ameaçar a beleza harmónica do resto da composição. Ben Frost, em “Undulating Beast” tem um grunhido ameaçador como fundo a sons sintetizados. Mas a impressão é a oposta da que me atingiu com a faixa de Roomful of Teeth. Frost coloca um fundo animal, sem ritmo nem melodia, que parece querer defender-se ou que resiste aos sons sintéticos que o envolvem. É vulnerável e belo o grunhido, visceral, telúrico. Já quando Deep Blue é grunhido, nos primeiros momentos de Rough Magic, é como algo que se assinala, brevemente, um susto. E não há, como na faixa de Ben Frost, uma dança a formar-se entre máquina e besta. Na composição dos Roomful of Teeth, a besta é a máquina, e é o humano que é vulnerável e belo.