#001635 – 26 de Fevereiro de 2024
O espaço disponível para a esquerda não-identitária é limitado. O neo-liberalismo conseguiu mercantilizar quase tudo, transformar em produto cada aspiração pessoal, chamar privilégio a cada um dos direitos sociais, explorar enquanto nichos de mercado cada sub-cultura. E até vender a sua própria ideologia como política progressista, convencer-nos que votamos com a carteira, que ao escolher o que comprar, o que boicotar, estamos a fazer activismo. Se olharmos para os EUA e o Brasil, o triunfo deste novo tipo de populismo ajudou a entrincheirar a política. Há o risco de criar blocos morais, em que a dissidência é vista como traição, em que a diferença de opinião é encarada como falha ideológica intolerável. Tendo visto o estrago noutros países, convém tomarmos a vacina. É a diversidade de tendências, a insistência na discussão, a tradição académica, a própria dissidência intelectual que dá força à esquerda. Todas as vezes que na história essa dissidência foi reprimida isso era sintoma de totalitarismo, censura, autoritarismo. Que ela aconteça na extrema direita não nos surpreende. Que aconteça à esquerda deve preocupar-nos. Não devemos deixar que ninguém nos coloque em trincheira, que escolha por nós a lista de items a defender nem que nos diga que modalidades de pensamento são aceitáveis. E, sobretudo, não podemos limitar a política ao meme, ao vídeo de segundos, ao comentário sarcástico, à internet. É tempo de sermos cidadãos e cidadãs, democratas, em solidariedade, com liberdade de pensamento e lucidez.