#001685 – 16 de Abril de 2024
Os universos de Neil Gaiman têm algo de mito, mesmo na sua mistura de cultura pop e histórias antigas, há personagens, eventos, alegorias de imenso poder simbólico. Por exemplo, a aposta entre Dream e Death, dois irmãos que fazem uma aposta, ao escutar um homem dizer que não quer morrer nunca. O paralelo entre a conversa entre Deus e o Diabo, no livro de Job, é evidente. O Diabo diz a Deus que Job só o ama porque a vida lhe corre mal, que a perda e o sofrimento o fariam virar costas a Deus. Já a aposta que Dream faz é que alguém a quem fosse dada a eternidade, iria suplicar que o matassem ao fim de algum tempo. Num caso e noutro, o provocador é surpreendido pela tenacidade humana. Mas a resiliência humana na história de Gaiman é de sinal contrário à do livro de Job. Este, quanto mais sofre mais se aproxima de Deus. O humano a quem é dada a vida eterna (Hob Gadling), quanto mais vive mais se afasta da Morte, menos a considera aceitável. Job quer Deus (porque a vida é terrível), Hob quer a vida (e rejeita a morte) porque cada vez gosta mais de viver.