#002268 – 14 de Agosto de 2025

Na maravilhosa série “Wayfarers” (tetralogia, até ao momento), Becky Chambers mostra que uma sensibilidade de política identitária não tem necessariamente de tornar a ficção estéril e irrelevante. Há autoras como a N. K. Jemisin que, tendo essa sensibilidade enquanto cidadãs, não a transportam para a linguagem dos seus livros. Já Chambers adopta os pronomes mais usuais, que incluem (além do feminino e do masculino) forma de referir alguém cujo género desconhecemos e também alguém cujo identidade de género não cabe numa lógica binária. As narrativas são fluídas, divertidas e exuberantes, como nas melhores space operas. A escrita é despretensiosa mas cintilante.

Ainda assim, é precisamente nestas questões de género que noto a maior fragilidade destes livros. Algo que é mais saliente ainda pelo facto impressionante e raro de estes romances não serem antropocêntricos. A maior parte das personagens são extraterrestres, nem sequer aparentados com os mamíferos do nosso planeta. Por isso é tão estranho ler as palavras homem, mulher, não-binário, para referir seres que não são humanos nem sequer se assemelham a humanos. Se até no nosso planeta há culturas que não fazem esta divisão dos sexos, por que motivo haveriam as espécies de uma galáxia inteira estar alinhadas nesta taxonomia?

Bem mais interessantes são experiências como a de Iain M. Banks, em “The Player of Games”, em que uma espécie de humanoides tem três sexos, todos necessários para a reprodução, ou o exemplo clássico de “The Left Hand of Darkness”, da Ursula K. Le Guin. É verdade que há umas décadas atrás, ao se pensar nestas questões se pensava sobretudo no sexo e pouco na expressão ou identidade de género. Mas sinto que em relação ao género ainda estamos no início da sua exploração pela ficção científica e num momento cultural em que não há sequer muita vontade de explorar, sendo o medo vigente imensamente paralisador da criatividade.