Comunicar

No seu conto Civilização, Eça de Queiroz revela-nos que, já no final do século XIX, o mundo começava a ser invadido por “aparelhos facilitadores do pensamento” como a máquina de escrever, o auto-copista, o telégrafo, o fonógrafo, o telefone ou o teatrofone. O supra-sumo da evolução tecnológica desde então empreendida é, muito provavelmente, o smartphone. Aparelho sofisticado, mas relativamente acessível, o smartphone é algo “absolutista”. De facto, para além de ser telefone, pretende substituir um conjunto variado de aparelhos como a máquina fotográfica, a câmara de filmar, o rádio portátil, o leitor de MP3, o navegador GPS, a agenda digital, o gravador de voz, a calculadora, o cronómetro, a lanterna e o PC em funções como consultar o correio eletrónico ou navegar na Internet. Abriu também canais de comunicação, como as rede sociais, e de interação que são alternativos às lojas físicas e aos serviços públicos e privados. O problema é que, pelo caminho, criou seres cada vez mais alienados e fechados sobre si próprios.

Basta viajar de comboio ou metropolitano para se perceber que a humanidade parece estar, hoje, divida entre dois tipos de pessoas: aquelas que continuam a observar o mundo que as rodeia (ou a ler um livro) e aquelas que vivem agarradas ao dito aparelho, numa atitude quase autista. O que é curioso é que a aditividade digital abrange várias faixas etárias e classes sociais, pelo que a dependência face ao smartphone parece decorrer de determinados traços psicológicos transversais.

Por duas vezes na vida tentei usar o dito. Foi sol de pouca dura, voltei sempre para o #telemóvel básico, de teclas. Não sinto falta do smartphone, antes pelo contrário. Gosto muito da minha máquina fotográfica e das minhas calculadoras Casio (tenho várias). E mesmo o inevitável WhatsApp, pode sempre ser consultado no PC.

O smartphone é, hoje, muito provavelmente o maior problema de saúde pública do mundo, nomeadamente, entre os jovens. Basta ver a série Adolescentes para perceber o que está em causa. Fez, pois, muito bem o Governo em proibir a sua utilização no primeiro e segundo ciclos do ensino básico, e talvez devesse ter ido mais além, abarcando também o terceiro ciclo.

Há, contudo, um sinal de esperança: uma das tendências atuais, ainda vagamente observada em Portugal, é o abandono dos smartphones em favor dos telemóveis de teclas, um pouco como o aconteceu com o regresso ao LP analógico em detrimento do CD digital. O curioso é que não é entre o público sénior que se dá esse regresso, mas sobretudo entre os jovens que têm dificuldade em concentrar-se no estudo com a presença de tão absorvente aparelho. E há também todos aqueles que precisam urgentemente de uma “desintoxicação digital”.

Parece, pois, haver espaço no mercado para que possam surgir telefones modernos com teclas e algumas funcionalidades dos smartphones, mas sem perderem o caráter prático e focado na comunicação por voz e através de mensagens escritas. A HMD/Nokia é um dos fabricantes que aposta nessa via há muitos anos, mas há outros, como a start-up chinesa Zinwa que pretende modernizar o saudoso Blackberry. Porém, a grande estrela é o Punkt MP02, o mais desejado dos dumb phones, como são conhecidos os novos telefones com teclas.