Confiar

Essence of Decison de Graham Allison é um livro que me marcou particularmente. Nele aprendi que o mundo esteve à beira do holocausto em 1962, quando os EUA descobriram que a antiga URSS tinha instalado mísseis com capacidade nuclear em território cubano. Que os líderes políticos podem ver-se incapazes de controlar os ímpetos belicistas das suas administrações e chefias militares. E que John F. Kennedy e Nikita Khrushchov souberam confiar um no outro e compreender-se mutuamente, na solidão que carateriza o exercício dos grandes cargos políticos.

Este episódio é importante porque sugere que a crise da Ucrânia só se resolverá com um entendimento entre os EUA e a Rússia. Foi, por isso, com sincera esperança que encarei a tentativa de aproximação de Trump a Putin nos primeiros meses deste ano. E que compreendi, em certa medida, a crispação face a Zalenski do dia 28 de fevereiro. O aparente afastamento de Trump face a Putin dos últimos dias é, por isso, uma má notícia para o mundo e para todos aqueles que acreditam na paz, como o papa Leão XIV. O problema parece estar mais do lado de Putin, mas a inconstância e o interesse mercantilista de Trump também não ajudam.

A crise da Ucrânia é curiosa em vários aspetos. Na sua essência, é tão-somente um problema relacionado com a marcação de fronteiras entre dois países que resultaram do fim da antiga URSS. Este é um problema típico (e muito antigo) da Europa Central, em que a delimitação dos estados nem sempre coincide com as nações – veja-se o caso da Alemanha e da Polónia. Em certa medida, as comunidades europeias foram criadas para “dissolver” as fronteiras mal marcadas e, assim, criar um espaço de livre circulação de pessoas e bens.

Outra curiosidade da crise da Ucrânia é a capacidade de manipulação da opinião pública que Zelensky sempre demonstrou, fazendo passar a ideia de que a sua guerra regional era uma guerra europeia ou mesmo mundial. Habilmente, Zelensky tem cristalizado a visão de que Putin fez à Ucrânia em 2022 o que Hilter fez à Polónia em 1939, destapando fantasmas antigos e alimentando o ódio entre povos que foram ocupados pelos russos, como os polacos, os alemães e os bálticos. De modo a não perderem notoriedade, os líderes europeus, com destaque para a senhora von der Leyen, desde logo foram na conversa de Zelensky, revelando um inusitado entusiasmo belicista.

Esse caminho tem vindo a ser paulatinamente prosseguido, com o famoso relatório de Mário Draghi que defende que a competitividade europeia face aos EUA passa pelo desenvolvimento da indústria do armamento e da defesa, com a estratégia de rearmamento da Europa e com os compromissos assumidos no seio da NATO de aumento da despesa com a defesa até 5% do PIB. Na prática, a Europa caminha a passos largos para um envolvimento militar direto na guerra da Ucrânia, sendo evidente a captura dos nossos políticos pelos interesses ligados ao armamento e à defesa. Basta ver o número de militares e especialistas em política internacional que fazem comentário nas nossas televisões para se perceber o beco sem saída em que nos encontramos.

O verdadeiro problema é que políticos sensatos e com sentido de estado como Kennedy e Khrushchov já não existem. Vivemos num período de mediocridade generalizada e de falta de valores humanos, em que a guerra – a suprema competição – parece levar de vencida a paz. Que triste é este nosso mundo.