Privatizar
Um dos problemas da economia portuguesa é a excessiva especialização em atividades inseridas na fileira do turismo. Aparentemente, atividades como o alojamento e a restauração são interessantes em termos de desenvolvimento regional e local porque exploram as potencialidades endógenas dos territórios. O problema é que são também atividades de baixo valor acrescentado e pouco intensivas em conhecimento e tecnologia. O reflexo dessa fraqueza são os baixos salários pagos por esses setores. Há ainda o problema do emprego sazonal que cria dificuldades, especialmente, nos territórios mais deprimidos.
A este problema estrutural vem juntar-se a tentativa de alguns promotores turístico-imobiliários em “privatizarem” uma parte do território que é, em termos legais, de usufruto público. O problema não é novo, com algumas praias do concelho de Lagoa (Algarve) a terem acesso terrestre exclusivo aos utilizadores dos respetivos empreendimentos turísticos, mas agudizou-se recentemente com a tentativa descarada de privatização do litoral entre Troia e Sines, a maior língua de areia contínua da Europa.
Tive a felicidade de frequentar, em jovem, a praia da Galé em Melides. Nela havia um parque de campismo que atraía, não apenas portugueses, mas muitos espanhóis, holandeses, alemães e nórdicos em busca de uma praia de águas tépidas e com uma falésia espetacular isolada do mundo. Adquirido pelo empreendimento de luxo Costa Terra, o parque de campismo da praia da Galé deixou de aceitar novos campistas e ampliações aos campistas permanentes que ainda lá permanecem. Ou seja, tem fim à vista por ser incompatível com o novo produto turístico. Pior ainda: quem quiser ir à praia tem de mostrar o cartão de cidadão na receção. Que triste fim para uma das melhores praias da Europa e, provavelmente, do mundo.
Resta a possibilidade de se aceder à praia da Galé através da urbanização mais antiga, construída imediatamente a norte do parque de campismo. É que as praias são, acima de tudo, espaços de liberdade e de mistura de culturas e classes, e não retiros exclusivos de alguns. Num artigo recente, publicado na edição de 18 de agosto da revista Time intitulado Beach Nation, David Litt, antigo colaborador de Barack Obama, explica a importância das praias (públicas) como veículo de tolerância e inclusão numa sociedade hiper-competitiva como é a norte-americana. Uma versão ligeiramente diferente do artigo está disponível aqui. A não perder neste tempo estival.