A presença que fica

Hoje, minha mãe faria 62 anos. Ela se foi em 2021, mas nunca realmente partiu. Continua aqui, nas memórias, nas músicas que ouvimos juntas, nos conselhos (e ralhos) que só ela sabia dar. Está no reflexo do espelho, nas escolhas que faço, no sorriso que, em muitos dias, eu tento dar like I mean it.

“Luto é amor que não tem onde ir.” Li essa frase em algum lugar, talvez perdida entre as páginas de Notas sobre o Luto da Chimamanda Ngozi Adichie ou Aos Prantos no Mercado da Michelle Zauner (mais conhecida como Japanese Breakfast). Essas duas obras se tornaram uma espécie de trilha sonora literária da minha saudade, me ajudando a decifrar o enigma que é viver com a ausência de alguém tão essencial. Chimamanda escreve sobre como o luto é tão visceral quanto físico, como se algo dentro de nós fosse arrancado sem aviso. Zauner descreve como os pequenos detalhes — comida, música, cheiros — se tornam portais para um tempo em que o mundo ainda fazia sentido. Entre as duas, encontrei conforto e também um espelho: a ausência da minha mãe não é apenas uma saudade. É uma reconstrução diária de quem eu sou sem ela.

E se reconstruir, na prática, é um trabalho complexo. É como montar um quebra-cabeça em que faltam peças importantes, mas você tenta preencher os vazios com o que sobrou: memórias, risos, pedaços de conversas. Minha mãe deixou um quebra-cabeça de mil cores, mas também um buraco no meio da imagem. E é impossível não olhar direto para ele.

Minha mãe iluminava todos os espaços que ocupava, como um farol. Era o coração das festas de família, a amiga que todos queriam por perto, a pessoa que sabia exatamente o que dizer, seja para me consolar ou para me empurrar em direção ao que eu mais temia. The Killers tocava na trilha sonora das nossas viagens de carro, e Smile Like You Mean It era uma das preferidas dela. Hoje, esse refrão ecoa nos meus dias como um desafio: sorrir apesar de tudo. Sorrir porque ela gostaria que eu fizesse isso.

A ausência da minha mãe me ensinou que o luto não é um estado, mas um processo, uma convivência. Há dias em que ele é ensurdecedor, preenchendo todos os cantos da casa e da mente. Outros, é mais sutil, como um fundo musical constante. O tempo não suaviza o luto; ele apenas nos ensina a acomodá-lo, como um móvel pesado que nunca sai do lugar, mas que aprendemos a contornar.

Em dias como hoje, quando o peso da saudade parece insuportável, tento canalizar o que ela era. Tento ser luz para os outros, como ela foi para mim. Tento sorrir para os desafios, como ela faria. Tento, acima de tudo, lembrar que viver com intensidade, mesmo com as cicatrizes do luto, é a maior homenagem que posso prestar a ela.

Minha mãe faria 62 anos hoje. E enquanto ouço Smile Like You Mean It no repeat, percebo que não importa quanto tempo passe, ela continua aqui, presente nas batidas da música e do meu coração. Com lágrimas nos olhos, sorrio.