Cozy tech: o hygge digital prometido

Ouvi falar de cozy tech pela primeira vez na matéria The Fantasy of Cozy Tech, da New Yorker. É aquele conceito bonitinho, prometendo trazer conforto e acolhimento para o nosso mundo digital frio e impessoal. Parece fofo, né? Mas por trás da capa de “relaxamento” e “tranquilidade” estão os mesmos interesses de sempre: capturar sua atenção, seus dados e, claro, seu dinheiro.

Enquanto a cozy tech tenta nos convencer de que dá para se sentir abraçado por um joguinho fofo e relaxante como Royal Match (sério, eu pego no sono jogando esse troço) ou pelo design “simpático” de um assistente virtual, eu me pergunto: isso aí é só uma versão digitalizada do conceito de hygge? E, mais importante, será que dá para replicar o que é essencialmente humano em um mundo digital?

Minha introdução ao aconchego dinamarquês

Eu fui apresentada ao conceito de hygge quando visitei Copenhague. Lá, entendi que hygge não é só um estilo de vida; é quase uma filosofia de bem-estar. Sabe aquela sensação de estar num ambiente que parece te abraçar? Hygge é isso. É compartilhar um jantar com amigos, curtir um livro numa tarde chuvosa ou até mesmo a pausa para um café no meio da correria.

É algo que vai além de objetos bonitinhos ou cenas dignas de Instagram. Hygge é sobre presença. Não dá para acelerar, não dá para forçar – e, definitivamente, não dá para digitalizar.

Cozy cech: um hygge genérico, by Amazon

A cozy tech quer entrar nessa onda, mas com um detalhe importante: ela é vendida como produto. Jogos relaxantes, assistentes com vozes tranquilas, gadgets com design minimalista…tudo para tentar fazer você sentir que tecnologia não precisa ser estressante. É como se dissessem: “confia, somos diferentes!”. Spoiler: não são.

Enquanto o hygge é um conceito que você vive, cozy tech é algo que você consome. É menos sobre um momento ao redor de amigos e mais para um “olha como nosso dispositivo é fofinho enquanto coleta seus dados em segundo plano”. A diferença? O primeiro aquece o coração, o segundo apenas aquece a conta bancária de bilionários.

O hygge digital é possível?

A pergunta de um milhão de reais: dá para a tecnologia capturar o verdadeiro hygge? Até certo ponto, dá para entender o apelo. Mas o hygge é sobre conexões reais, e tecnologia não entrega isso. Não adianta ter um robô fofinho me chamando pelo nome se não tem uma pessoa de verdade no outro lado, não dá para substituir o abraço de um amigo por um emoji animado, por mais “aconchegante” que ele pareça.

Nem tudo pode ser embalado e vendido

Cozy tech é uma tentativa engraçada de humanizar o que, por definição, não é humano. Dá para admirar o esforço, mas a verdade é que a tecnologia nunca vai alcançar o nível de conexão que o hygge exige. No máximo, ela pode criar pequenas ilhas de alívio num mar de notificações e feeds infinitos.

Talvez o segredo não seja desligar completamente o mundo digital, mas reconhecer o que ele não pode oferecer. Hygge é sobre o toque humano, o calor de momentos reais, a simplicidade que não precisa de um código-fonte para funcionar. Cozy tech tem seu charme, mas sejamos honestos: o que realmente aquece a alma não carrega via cabo USB.